sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Episódio 1 – O nevoeiro

Cidade de Odem, 1643.

Sob o luar os irmãos Meireles pescavam na lagoa situada ao norte da pequena vila de Odem, a névoa de março cercava o pequeno bote de madeira, Jonas e Ezequiel sempre foram unidos, ambos orgulhavam os seus pais. Jovens e irresponsáveis haviam roubado uma garrafa de licor da casa de seu avô, enquanto bebiam conversavam sobre as mulheres da vila onde viviam, sussurrando velhas canções para não espantar os peixes. A lua cheia iluminava a lagoa, no cesto alguns pequenos peixes, a pescaria era mais um modo de distração do que necessidade, levemente embriagado o jovem Ezequiel avistou a margem da lagoa uma linda mulher de pele clara e cabelos escuros, vestindo um vestido de cor escura, daquele ponto a penumbra o impedia de observar atentamente a todos os detalhes, a jovem mulher estava lá estática observando-os pescar, Ezequiel um pouco mais alterado pelo licor do que seu irmão Jonas o desafiou a irem até a margem da lagoa para conversarem com a linda mulher.

- Irmão, hoje deve ser o nosso dia de sorte, vamos até a forasteira! Disse Ezequiel.
- Vamos sim, talvez ela esteja perdida e precise de nossa ajuda! Disse Jonas com um sorriso sarcástico no rosto.

Os irmãos Meireles remaram até a margem da lagoa, a cada remada o nevoeiro parecia aumentar, dificultando a visão dos irmãos, de modo que ao desembarcarem do bote de madeira perceberam que haviam perdido a mulher de vista em meio ao nevoeiro. Ao redor da pequena lagoa de Odem havia uma floresta densa, floresta que apenas os habitantes da vila conheciam, os jovens irmãos reconheciam praticamente todas as trilhas da floresta. Após recolherem uns míseros peixes pescados naquela noite caminharam em direção a trilha que os levaria até a sua casa, eis que repentinamente uma canção começa a vagar através da trilha, era uma voz doce, tão feminina e delicada, que os fizeram seguir a origem dos cânticos, algumas dezenas de metros á dentro da floresta e além da trilha os irmão Meireles se depararam com a misteriosa mulher, espantados e agraciados por sua beleza mal conseguiam falar, até que Jonas caminhasse em sua direção e lhe interroga-se:

- Olá senhorita, vejo que estás perdida aqui nesta floresta! Exclamou, seguiu mais dois passos à frente e pôde contemplar a graciosa beleza da mulher misteriosa. – Não tenha medo de mim, senhorita, diga-me o seu nome. Insistiu. A mulher misteriosa apenas lhe sorriu discretamente, a poucos metros o jovem Jonas pôde observar os lindos olhos verdes dela, onde não conseguia esconder o encanto por sua beleza.
- Não estou com medo, respondeu a ele.
- Eu me chamo Jonas, estás perdida aqui na floresta de Odem? Interrogou-a com um olhar curioso.
- Não, Jonas. Disse ela.
- Não lhe conhecemos, qual o seu nome, senhorita? Indagou Ezequiel caminhando dois passos a frente.
- Raquel! Respondeu-lhe com um sorriso doce.
- Precisas de abrigo? Em nossa casa há muitos quartos, somos de uma família de posses, se quiseres podemos lhe oferecer abrigo, senhorita Raquel.
- Agradeço a gentileza dos dois, mas estou apenas contemplando o brilho da lua cheia, de fato estou perdida dos meus irmãos, Isaac e Chaos! Respondeu aos jovens irmãos com um olhar agora frio.
- Jonas, nós precisamos ir embora. Estou com uma sensação ruím, irmão.

Ao mesmo instante em que os jovens irmãos Meireles se preparavam para partir surgiram através do espesso nevoeiro dois homens, ambos altos e aparentando pesar mais de cem quilos cada um deles, eram de pele clara e cabelos escuros, assim como Raquel, vestiam uma toga romana de cor negra, o mais alto segurava em sua mão esquerda uma lança talhada com imagens de crânios humanos, juntando-se aos seus irmãos a misteriosa mulher revelou a sua verdadeira identidade, como bruxaria a sua face transformou-se na figura de uma criatura de outro mundo, seus olhos anteriormente verdes passaram a ser negro como o sangue sob o luar, sua linda pele passou a ser acinzentada, e sua altura foi além da altura de seus dois irmãos.
O nevoeiro parecia ter produzido uma barreira intransponível para os irmãos Meireles, que desesperados clamavam por ajuda, mas na densa floresta de Odem, não poderiam ser ouvidos. Agora o sorriso de Raquel era amarelado e assustador, com presas que mais se assemelhavam a de um lobo, Chaos caminhou até os irmãos aterrorizados e os pegou pelos seus pescoços, um em cada braço, demonstrando ter consigo uma força sobre-humana, e antes de sufocá-los o jogou aos pés de sua irmã.

- Aí está os dois pobres humanos, minha querida irmã. Disse Chaos, que possuía um olhar assassino.
- Um precioso banquete de inverno, aliás, fazia algum tempo desde a nossa última visita ao portão de Odem, sei que nosso pai nos proíbe de vir até este paralelo, mas precisamos saciar a nossa sede de sangue. Exclamou Isaac, vestido de um sorriso satisfeito.
- Queridos irmãos, Jonas será meu, mas podem beber do sangue do jovem Ezequiel. Disse imperativamente a Chaos e Isaac.

E como chacais atacaram os jovens irmãos como se a carne deles fossem à última refeição de suas vidas, Raquel abriu o tórax de Jonas com as duas mãos antes de devorar as suas entranhas, aos gritos o pobre rapaz teve a sua vida ceifada antes de seu irmão Ezequiel, que catatônico ficou encolhido diante de uma rocha observando o seu irmão ser devorado como se fosse um animal por Raquel. Estático, como se houvesse aceitado a própria morte Ezequiel teve os seus membros superiores arrancados de seu corpo, como se fosse feito de papel, ali mesmo os irmãos Isaac e Chaos o devoraram, pedaço por pedaço, minutos após a carnificina, Raquel e seus dois irmãos caminharam em direção a cortina enevoada e desapareceram em meio à floresta de Odem, deixando para trás apenas o rastro da dor e monstruosidade que praticaram com os amaldiçoados irmãos Meireles.

Cidade de Odem, dias atuais

O horário já estava além das duas horas da madrugada, bêbados e irrequietos os amigos Bóris Fernandes e Lúcio Moura conversavam sobre suas vidas e suas carreiras jornalísticas, no Bar Bourne, na Avenida Meireles no centro da cidade de Odem. Bóris tornara-se um respeitado escritor de romances policiais, paixão que dividia junto à carreira de jornalista para o valioso Correio das Notícias, na cidade industrial de Odem. Bebendo conhaque junto de Lúcio, um jovem jornalista nascido na cidade vizinha cujo nome era Mondo, ouviam atentamente a historia dos irmãos Meireles, que jamais fora solucionada.

- Sim, meus caros jornalistas, aqui diante de vocês dois está uma intrigante investigação histórica. Disse Haroldo, dono do bar.
- Totalmente intrigante, mas nunca descobriram o responsável pela morte dos dois garotos na floresta? Indagou Lúcio.
- Jamais, alguns dizem que os garotos foram enterrados na floresta por algum forasteiro psicopata, outros afirmam que os irmãos foram literalmente devorados, isso explicaria o sumiço de seus corpos, já que no local do crime encontraram apenas as suas roupas estilhaçadas. Respondeu o dono do bar.
- Aí está um legítimo assassinato sem solução pela polícia, mas também não podemos julgá-los, se nos dias de hoje com toda a tecnologia disponível, muitos crimes ficam sem solução, imaginem a dificuldade de solucionar um crime desta gravidade em pleno século XVII. Disse Bóris aos dois amigos.
- A família Meireles ainda reside aqui em Odem, a Avenida principal da cidade carrega o nome de seus antepassados, sinceramente, esta é a história ideal para iniciar a sua carreira aqui nesta cidade, caro amigo. Exclamou com total confiança para Bóris, o dono do bar Bourne. Ouvindo e observando atentamente a conversa, o jovem jornalista Lúcio Moura balançou positivamente a sua cabeça e em seguida falou.
- Realmente, Bóris, todos aqui conhecemos a sua intuição, sua experiência com seus romances policiais, pesquisas, a sua própria carreira jornalística, confesso que apoio a idéia de Haroldo, seria uma matéria na medida certa para que você iniciasse a sua jornada como jornalista aqui na enevoada e industrial cidade de Odem. Discursou Lúcio, com um sorriso debochado.

Bebendo um último gole de seu conhaque, Bóris acenou positivamente antes de levantar, jogou duas notas de vinte sobre a mesa e saiu sem se despedir dos dois amigos, que já acostumados continuaram a conversar. No estacionamento, Bóris ligou o seu carro e dirigiu em direção de sua casa, na escuridão de Odem o único modo de se saber as horas na alta madrugada é olhá-la no celular, passava das três da madrugada, havia uma mensagem de texto recebida, enviada por Amanda Preuss, estagiária do Correio de Notícias.